Fonte: Instante IBGC n° 35|2018
Nos últimos anos, o noticiário diário vem trazendo à tona sucessivas revelações de supostos ou confirmados casos de improbidade e desvios de conduta ética de personalidades políticas e empresariais, desencadeadas pela eclosão de grandes operações de combate à corrupção no país. Fato que promoveu um resgate mais intenso das discussões sobre ética e compliance, especialmente, no âmbito das organizações empresariais.Mas, afinal, esses dois temas emergentes estão de fato sendo discutidos nas empresas em sua essência ou apenas como um modismo passageiro que se findará logo que surgir uma nova tendência corporativa?A fim de trazer ao cerne do debate essa provocação, conversamos com o coordenador da nova comissão temática do IBGC, a Comissão de Ética em Governança, Alberto Perazzo. Empresário, consultor e professor, Perazzo também atuou em diferentes conselhos de administração, sempre como membro independente. Ele também fez parte do grupo de trabalho que desenvolveu a publicação IBGC Orienta: Compliance à Luz da Governança Corporativa, cujo lançamento se dará no próximo dia 27, na sede do instituto. Nesta conversa rápida, entre uma participação como convidado em um evento virtual sobre compliance, promovido pela Associación de Secretarios Corporativos de América Latina do Peru, e a reunião da comissão, Perazzo falou sobre a necessidade de se compreender a complementariedade entre ética e compliance de maneira mais holística e menos superficial.
Ética não é um conceito novo, mas a discussão sobre a sua necessária aplicabilidade nos meios empresariais, políticos e na própria sociedade vem sendo reascendida de maneira intensa nos últimos anos. Como o senhor assiste a essa discussão, agora acrescido da temática do compliance?
A ética é um dos conceitos mais antigos do processo civilizatório. E dentro das organizações empresariais, ser ético é buscar o bem-estar não somente de um profissional ou setor, mas do organismo como um todo. Afinal, fazer as coisas visando fazer o bem é uma das formas de a empresa buscar a sua perenidade. Agora, o compliance também não é um tema novo, mas tem um caráter mais constitutivo, com ferramentas, sistemas de controle, etc. Por que compliance está recebendo tanto destaque? Primeiro, porque vêm a surgir e a se revelar, nos últimos anos, atitudes empresariais não sempre muito corretas no aspecto ético. Tudo isso, leva a incitar as empresas ao uso de ferramentas e sistemas de controle que orientem as atitudes empresariais. Isso é bom, mas não podemos cometer o erro de acreditar que o mais importante são as técnicas e as ferramentas de controle.
No contexto das organizações empresariais, onde o debate da ética precisa ser intensificado?
Na medida em que a ética está presente há anos no processo civilizatório e, por isso, permanentemente discutida na sociedade, esse conceito deve ser também permanentemente tratado dentro do conselho de administração. Por assim dizer, o conselho precisa tratar de seus assuntos sempre na perspectiva da deliberação ética, que deve considerar a identidade da empresa, o impacto aos stakeholders, e ao bem comum de todas as partes interessadas. É importante destacar que é uma discussão que não envolve somente o conselho, mas a organização como um todo, que pode ser impulsionada naturalmente pelo tom da liderança.
Hoje em dia, há algumas definições sobre o que é compliance. Qual seria a definição do senhor?
É importante salientar que estar em compliance, que é basicamente cumprir leis e normas, não é caracterizado como uma virtude, pois isso deve ser visto como uma obrigação. Agora ser compliance é garantir que todos os atos da empresa estejam em consonância com alguns elementos. O primeiro é o conceito de identidade, que significa aquilo que é a razão de ser, portanto, envolve o propósito, a missão, os princípios, e a forma como a organização contribui para a sociedade. Nada disso tem a ver com uma simples placa pendurada na parede de uma empresa. É muito mais natural e menos superficial. Mas na medida em que são os referenciais que pautam a tomada de decisões de uma organização, criam uma identidade, pois as pessoas começam a compreender e reconhecer que esta é a sua forma de atuar. Então, uma questão que deve ser refletida pelo conselho de administração é: qual é a nossa identidade e como queremos ser reconhecidos? É importante salientar que, cada vez mais, os consumidores, as partes interessadas, estão mais conscientes, e eles escolhem a empresa com a qual se identificam. E você não pode se identificar com quem não tem identidade. Outro conceito é o da integridade, que eu resumiria como a consonância entre discurso e prática (“Eu faço o que eu defendo”). Então, o sistema de compliance é, simplesmente, um conjunto de procedimentos e ferramentas para estarem em conformidade com cumprir a lei? Não. É estar em consonância com a identidade e integridade. Isto deve partir do conselho e permear em toda a organização, seguindo o tom da liderança.
Mas qual é a sua percepção com relação ao movimento das empresas quanto a esse olhar mais holístico e menos técnico do compliance?
O caminho a percorrer ainda é imenso. Mas essa questão, ainda que embrionariamente, está sendo discutida. É importante dizer que se trata de um assunto que deve estar no conselho, mas não como um momento de 10 minutos da pauta da reunião. Porque o conceito de ser compliance adquire um significado muito acima de procedimentos e sistemas de controle, embora muitos ainda estejam mais preocupados com ferramentas. Estamos falando em mudança de comportamento e não de técnicas. E mudança de comportamento envolve pessoas. Quando você analisa os recentes casos de corrupção no país, notamos que as grandes empresas envolvidas tinham maravilhosos manuais e procedimentos. Em que falharam? Em falta de técnicas e ferramentas? Ou no comportamento das pessoas? Trata-se de um trabalho de formiga, e de convencimento. Algo que deve começar a ser trabalhado desde o ensino médio, quando a consciência dos jovens ainda estão se formando. Então, quando falamos em ser compliance, estamos nos referindo ao comportamento das pessoas e não somente de ferramentas.
Fonte: Instante IBGC n° 35|2018
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