domingo, 7 de agosto de 2016
O número de pareceres de auditores externos apontando riscos financeiros e distorções relevantes nas demonstrações contábeis das companhias abertas brasileiras aumentou significativamente entre 2014 e 2015
Um levantamento feito pelo Valor com 320 empresas brasileiras registradas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) mostra que em 87 dos casos os pareceres referentes aos balanços de 2015 trouxeram algum tipo de "modificação", para usar o jargão técnico, o que indica a existência de irregularidade ou preocupação com a saúde financeira da empresa auditada. O número indica alta de 34% em relação aos 65 relatórios com ênfases graves, ressalvas ou abstenção de opinião existentes em 2014 para a mesma amostra de companhias.
Visto de outra forma, o levantamento indicou que se 80% dos pareceres vieram "limpos" em 2014, indicando aprovação dos auditores sobres a aplicação das regras contábeis e uma situação financeira que garantia a liquidez da empresa por pelo menos mais um ano, em 2015 o índice das empresas que passaram nesse teste diminuiu para 73%.
Entre os problemas identificados em 2015, 21 balanços continham alguma ressalva dos auditores, ante 13 em 2014, aumento de 62%. Outros 58 apresentavam parágrafo de ênfase considerada como grave pelo levantamento (foram excluídas, por exemplo, ênfases por pequenas diferenças entre as práticas locais e internacionais, admitidas pelos órgãos reguladores), depois dos 46 no ano anterior avanço de 26%.
Enquanto o parecer com ressalva indica um descumprimento de norma contábil ou a impossibilidade do auditor de checar uma informação ("limitação de escopo"), o parágrafo de ênfase ocorre quando há incerteza do auditor sobre algum dado relevante do balanço, cujo desfecho pode afetar a posição patrimonial e financeira da companhia.
Essa incerteza pode ter relação com um saldo específico ou se referir à capacidade financeira de a empresa ter liquidez para sobreviver ao longo do ano. Caso haja dúvidas, o auditor precisa incluir um parágrafo de ênfase sobre "continuidade" no parecer, tipo de evento que teve aumento expressivo em 2015. Por parte das empresas, a identificação desse tipo de situação exige a elaboração de um plano em que ela informa como pretende solucionar o problema.
Uma das leituras para justificar o aumento de ressalvas e ênfases é de que o papel das firmas de auditoria independentes ficou mais complexo com o processo de convergência às normas internacionais de ontabilidade (IFRS, na sigla em inglês), ocorrido a partir de 2010.
Mas a principal explicação para o crescimento dos pareceres "modificados" está provavelmente no ambiente que envolve investigações por corrupção e também crise econômica.
Esses dois fatores aumentam a percepção de risco dos auditores, como reconheceu em entrevista recente o presidente do Instituto dos Auditores Independentes do brasil (Ibracon), Idésio Coelho.
Segundo ele, se um tempo atrás os auditores se fiavam em relatórios de auditorias internas, aceitavam cópias de documentos ou declarações da própria administrações sobre alguns dos temas, o cenário hoje é outro. "Aumentou o nível de questionamento sobre tudo", disse ele no início de junho.
Procuradas para comentar os dados, nenhuma das quatro grandes firmas de auditoria PwC, Deloitte, EY e KPMG quis comentar o aumento de ressalvas e ênfases nos pareceres.
Segundo José Domingos Prado, sóciolíder de auditoria da Grant Thornton, a gravidade da crise financeira, a retração de crédito e o acumulo de resultado negativo justificam esse aumento expressivo na ênfases sobre as operações das companhias. "Os critérios e normas são os mesmos, mas a severidade da condição econômica é o que levou as auditorias, aos aplicarem essas normas, a emitir pareceres com mais ênfases e ressalvas", diz.
Francisco Reis, sócio de auditoria da BDO, reforça: "O momento pelo qual passa a economia do Brasil afetou significativamente alguns setores específicos e consequentemente as empresas desses segmentos estão sujeitas aos reflexos desses efeitos em suas demonstrações contábeis o que tem acarretado nesse aumentos de ressalvas e ênfases nos relatórios".
Domingos diz ainda que, diante da série de investigações da operação LavaJato no Brasil, os auditores ficaram muitomais cautelosos para preparar seus pareceres. Desde 2014, grandes empresas estatais, como Petrobras e Eletrobras, além de empreiteiras que eram suas fornecedoras, como Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, têm sido citadas em esquemas de corrupção por práticas de fraudes e pagamento de propinas.
Além da continuidade, foram notadas ênfases referentes à rolagem de dívida, sobre redução de valor de estoques, processos de recuperação judicial e investigações de casos de corrupção.
Há ainda uma opção mais grave para o parecer dos auditores, chamada de abstenção de opinião, que é quando o auditor não consegue, por meio de seus trabalhos de auditoria, emitir uma conclusão, por não obter confirmação de informações para fundamentá-las. Oito companhias foram inseridas nessa "categoria" em 2015. Em 2014, houve seis pareceres com essa característica.
O aumento das abstenções em 2015 aconteceu, principalmente, em relação às empresas em recuperação judicial, cujo número aumentou muito em 2015. "Muitas empresas protocolaram no começo de 2015 pedido de recuperação judicial, mas esses não tinham sido ainda aceitos ou até mesmo foram rejeitados. Essa indefinição é que levava muitas vezes à abstenção de opinião", afirma Domingos.
De acordo com a Serasa Experian, em 2015 foram 1.287 pedidos de recuperações judicial, 55,4% a mais do que o registrado em 2014. O resultado é o maior desde 2006, após a entrada em vigor da Nova Lei de Falências.
Para Domingos, da Grant Thornton, a expectativa é que a partir de agora as empresas respirem um pouco mais aliviadas, consigam fazer suas rolagens de dívidas, estanquem suas perdas e esses alentos deverão ser refletidos nos resultados de 2016.
Além disso, a partir de 2017, uma nova norma deverá entrar em vigor para os pareceres de auditores. Em vez dos tradicionais, breves e protocolares comentários que em geral precedem a recomendação de aprovar um balanço financeiro com ou sem ressalvas, os auditores emitirão documentos mais extensos, em que devem fazer comentários sobre os principais pontos de discussão que tiveram com os executivos das empresas.
Fonte: ANEFAC
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