domingo, 12 de dezembro de 2010
O Código Florestal é um problema de cada cidadão brasileiro, que hoje já paga em impostos e em limitações de serviços públicos os astronômicos gastos para subsidiar a agricultura e minimizar os processos de degradação ambiental causados pelo uso indevido do nosso território
Estamos com a data marcada para que o Congresso Nacional, a partir de um acordo de lideranças, coloque em votação o relatório que sustenta mudanças profundas no Código Florestal Brasileiro. Este documento foi formatado por uma comissão praticamente uníssona, pré-determinada não para discutir, mas para impor uma decisão armada à conveniência dos interessados. Na próxima terça-feira, dia 14 de dezembro, corremos o risco de ver avançar uma das mais prejudiciais manobras que legisladores brasileiros contra a conservação da natureza já realizaram. Enquanto isso, centenas de milhares de cidadãos protestam contra o encaminhamento forçado deste processo, uma pressão crescente que representa o melhor caminho para a reversão dessa tendência.
Uma tentativa de entender este fenômeno de demonstração de força de um dos maiores lobbies do Congresso Nacional, a revelia do bom senso e do interesse público, seria, como a história tenta sempre justificar, um ato de ignorância, de falta de visão e de conhecimento que, pela limitação implícita, permite e justifica medidas sem lastro. E que nos custam uma aberração em prejuízos, depois de determinadas. O perdão com base no desconhecimento não cabe neste embate, que coloca frente a frente a visão conservadora e convencional e uma montanha de evidências científicas e práticas que apontam para um sinal vermelho em futuro próximo. A conta da degradação não fecha com nossas supostas intenções de modelar um desenvolvimento que garanta qualidade de vida e uma condição de equilíbrio e longevidade dos negócios e da economia.
É fundamental a constatação de que o que está ocorrendo com a tentativa de tirar o lastro e as conquistas de décadas de uma legislação ambiental de surpreendente sabedoria é a manipulação explícita, com base na disposição de gerar vantagens a um público determinado em detrimento dos interesses da sociedade. Não há equívoco ocasional, e sim um "equívoco" consciente que deveria, em última instância, receber um enquadramento de crime lesa-pátria. Pretende-se assaltar a sociedade brasileira para a geração de vantagens econômicas de curto prazo em detrimento da sustentação de nosso patrimônio natural e seus serviços, como a água, o solo, o equilíbrio climático, o uso da biodiversidade e tantos mais fundamentais para nossas expectativas presentes e futuras.
O crime é explícito e não há como acobertá-lo. Os manipuladores que estão liderando esta movimentação direcionada para o passado estão com a cara na mídia e assumem suas agendas de dilapidação do patrimônio natural, embora argumentem, demagogicamente, que o que ocorre é justamente o contrário. Ressaltam, inclusive, que sempre ajudaram o meio ambiente e a terra arrasada por trás de seus feitos... É positivo registrar o conjunto de posições espúrias que representa o caminho desta iniciativa, incluindo a manipulação de dados, a imposição de verdades fictícias em função da quantidade de vezes que foram injetadas na mídia.
Infelizmente, isso atingiu um público ainda pouco desperto para o fato de que este não é um problema do campo nem dos proprietários rurais. Este é um problema de cada cidadão brasileiro, que hoje já paga, em impostos e em limitações de serviços públicos, os astronômicos gastos para subsidiar a agricultura e minimizar os processos de degradação ambiental causados pelo uso indevido e irresponsável do nosso território.
É muito ruim constatar que ganhar hoje, gerando prejuízos decorrentes a toda a sociedade, é um procedimento ainda comum no Brasil. Estes mesmos supostos favorecidos serão também diretamente envolvidos nas sombras da degradação da natureza que gera perdas econômicas e pobreza. Ainda assim, apostam no suicídio anunciado. Vale mais uma vantagem ilícita de curto prazo do que garantir o futuro, talvez muito próximo, deles próprios.
Lições estão sendo aprendidas a duras penas. E as evidências do tamanho do descalabro que estamos presenciando são a receita para virar um jogo de alto risco, que apresenta cada vez mais cidadãos desconfortáveis e dispostos a reagir. Na terça-feira, cabe apostar na existência de posições lúcidas suficientes para não permitir a aprovação deste relatório que trabalha contra todos os brasileiros.
*Clovis Borges é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVS.