Comitê de Auditoria ganha adeptos na crise

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Envolvidas em escândalos de corrupção ou tendo que negociar concessões com a bolsa, companhias de capital aberto estão sendo convencidas a adotar os comitês de auditoria.

A obrigatoriedade do comitê é uma das propostas da reforma do regulamento dos segmentos especiais de governança da BM&FBovespa, atualmente em audiência pública.

O comitê também é uma das obrigações previstas pela nova Lei de Responsabilidade das Estatais, sancionada em 30 junho, num dos vários indicativos de que essa estrutura de governança deve se tornar cada vez mais comum.

Pesquisa da KPMG sobre governança e mercado de capitais no Brasil mostra que, no ano passado, 47% das 227 empresas analisadas tinham comitê de auditoria, num aumento em relação à média de 44% de 2014.

Para o sócio-líder de governança e riscos da consultoria, Sidney Ito, a presença dos comitês ainda é baixa nas empresas nacionais, mas cresce ano a ano.


"Hoje, com a lei anticorrupção e regulações ambientais e sociais, cresce a responsabilização e a punição de conselhos de administração. Por isso, o conselho está vendo cada vez mais a necessidade de ter alguém que monitore o que a empresa tem de controle interno, gerenciamento de risco, compliance [conformidade com leis e regulamentos externos e internos] e a qualidade das informações financeiras", diz Ito.

O novo parecer do auditor independente, que passa a valer já para as demonstrações financeiras de 2016, também deve contribuir para a adoção dos comitês, acredita o sócio da KPMG.

O motivo é que será necessária maior interlocução entre empresa e auditores, devido à introdução dos chamados "principais tópicos de auditoria", assuntos considerados mais importantes pelo auditor, que agora serão públicos.

"Precisa ter um comitê de auditoria, com pessoas com tempo e com conhecimentos em contabilidade, controles internos e da linguagem do auditor para ter essa responsabilidade", diz Ito.

Apesar do ambiente regulatório mais propício, ele acredita que pode novamente haver resistência das companhias à obrigatoriedade da instalação de comitê de auditoria estatutário para empresas listadas no Novo Mercado e Nível 2 da BM&FBovespa.

A adoção da prática foi proposta para integrar o regulamento dos segmentos especiais no último processo de revisão, entre 2010 e 2011, mas não foi aceita pela maioria das companhias. "Comparado àquela época, hoje haverá maior pressão dos investidores, porque eles querem melhor controle e governança na empresa", acredita Ito.

Sem esperar pela revisão dos segmentos especiais, a bolsa de valores tem condicionado a concessão de prazo adicional para o atingimento ou recomposição do mínimo de ações em circulação a aprimoramentos de governança. Empresas como Banco Pan, Cyrela Commercial Properties (CCP), JHSF Participações, Banco Pine e Somos Educação passaram por esse tipo de negociação.

A Somos Educação, por exemplo, recebeu prazo até junho de 2018 para atingir o mínimo obrigatório de 25% de ações no "free float". Em troca, deve adotar um comitê de auditoria estatutário até setembro deste ano. Também se comprometeu a divulgar os regimentos internos de comitês, divulgar política para transações com partes relacionadas, ajustar seu código de conduta e elaborar relatório de sustentabilidade.

Outra companhia que anunciou recentemente a criação de comitê de auditoria foi a Hypermarcas. A fabricante de medicamentos foi aconselhada a fazê-lo depois da revelação de que um de seus ex-executivos autorizou o pagamento ilegal de R$ 30 milhões a lobistas, que repassariam os recursos a senadores do PMDB.

O conselho partiu da Souza Cescon Advogados e ICTS Protiviti, que realizaram investigação forense sobre o caso, a pedido da empresa. A Hypermarcas também foi aconselhada a revisar sua política anticorrupção após os acontecimentos, e diz que ambas as medidas já estão em implantação.

Mais um caso notório de corrupção em períodos recentes, a Petrobras tornou estatutário seu comitê de auditoria em meio a uma série de medidas para melhorar suas práticas de governança, após a prisão de ex-executivos e fornecedores pela operação Lava-Jato da Polícia Federal.

"A Petrobras criou o comitê de auditoria em 2005, sendo que, em julho de 2015, este comitê passou a ser expressamente previsto no estatuto social da companhia, tornando-se uma estrutura mais perene ligada ao conselho de administração", diz a estatal, por meio de sua assessoria de imprensa.

Em julho deste ano, o conselho de administração aprovou a revisão do regimento interno do comitê e a sua instalação com base nas regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), possibilitando sua efetiva instalação como órgão estatutário. Conforme a Petrobras, isso "fortaleceu o modelo de governança da companhia".

Por conta do ambiente cada vez mais regulado, muitas empresas de capital fechado também têm criado comitês de auditoria para ajudar o conselho. No caso das abertas, o maior ativismo dos minoritários têm incentivado a adoção da prática.

"Hoje há mais equilíbrio do investidor em exigir resultados de curto prazo, com dividendos e valorização, mas buscando ao mesmo tempo a perpetuidade da empresa, porque não adianta ganhar muito dinheiro agora e o investimento morrer no futuro", conclui o sócio da KPMG.

Procurado, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) disse que não poderia disponibilizar porta-voz para abordar o tema. A Somos Educação disse que não se pronuncia sobre processos internos de governança.

Fonte: Valor Online
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